Luis Oliveira Santos
Robert Capa / Morte de um miliciano
O LUGAR
Um conjunto de fotografias numa exposição mostram-nos paisagens de um lugar onde, há 70 anos atrás, ocorreu um determinado acontecimento: Cerro Muriano. Pese embora a intrínseca qualidade técnica e artística são apenas paisagens, diríamos, se não existisse esta fotografia que dá sentido a todas as outras. É ela que liga o lugar à memória e o preenche de significado. Trata-se de uma recriação de Luis Oliveira Santos num trabalho muito interessante em que ele próprio se encena na pose do miliciano de Robert Capa, que aqui mostrámos ontem.
A noção desta realidade passa não só pelo reconhecimento do objecto (uma paisagem) como também por termos visto imagens deste objecto (a fotografia de Capa) e por termos lido algo sobre ele. Esta é a explicação para a imagem seguinte onde se vê uma mão a segurar um livro que conta a história desta fotografia, de que apresentámos ontem um excerto: vemos o lugar, a fotografia e um texto sobre ela. É também a explicação para esta exposição que é, no fundo, uma abordagem à ideia de lugar.
"O lugar, não essa ideia geométrica de lugar, mas o lugar enquanto espaço ocupado por um corpo, remete-nos para a memória, para o sentir. Num lugar sente-se, independentemente de se estar. Quando olhamos para a fotografia de um lugar, mais do que olharmos para a paisagem que nos mostra, olhamos para os espaços da memória, da contemplação e, por vezes, do entendimento. O lugar faz parte do território dos sentidos. Cerro Muriano, perto de Córdoba, em Espanha, é um lugar que reúne ao mesmo tempo memórias da Guerra Civil Espanhola e da História da Fotografia. A 5 de Setembro de 1936, pela manhã, o fotógrafo Robert Capa, realizou aquele que seria o símbolo maior do fotojornalismo de guerra: a fotografia do miliciano morto em combate. Revisitar a fotografia de Robert Capa, a morte do soldado miliciano, e o seu lugar, 70 anos depois, é procurar a inevitabilidade do tempo que, como um relâmpago, forma-se e desaparece num instante. Só as montanhas e as pedras permanecem em construção no sossego do seu tempo. São idênticas, a luz e a natureza dos objectos fotografados. E por isso só encontramos o lugar da fotografia, nos cerros e nas planícies, se levarmos connosco a memória que nos deixaram os livros. E à volta dessa memória construímos a nossa própria inquietação. Sem isso, o lugar é apenas terra. Por isso também, procurar um lugar é sempre procurar um espaço de interioridade. Feitas hoje, as fotografias de Cerro Muriano não representam quase nada, porque a realidade que aí se evidencia é supérflua. Ao contrário da paisagem, o lugar da fotografia de Robert Capa deixa de existir, se deixarmos de olhar para ele."
Luís Oliveira Santos
OBVIUOS
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