terça-feira, 22 de março de 2022

Dostoievski e o conceito de liberdade

Dosotievsky


DOSTOIEVSKI 

E O CONCEITO DE LIBERDADE


Publicado em Literatura por Myilena Queiroz

“A preocupação exclusiva de Dostoievski, o tema único ao qual consagrou sua força criadora, é o homem e seu destino” Nicolai Berdiaev

E o destino do homem é seguir a liberdade? É seguir a norma de fazer o que bem queira desde que não venha a ferir as leis dos homens comuns? Creio que para este romancista, não seja algo tão simplório assim.


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 As paisagens, os movimentos e as ações são para o romancista russo apenas um meio para materializar o que realmente lhe é de interesse: o homem e seus abismos espirituais. Esse ser que debate-se entre a má liberdade e o bom constrangimento certamente não tomará para si valores reles. O autor de Crime e castigo basear-se-á em teses que não são propriamente humanas, porém, pois esse estará sempre ligado às leis de Cristo. Um Cristo peculiar, um Cristo de Dostoievski.
A liberdade para esse autor, assim como o bem e o mal, tema constante em suas obras, se apresentará em seu aspecto metafísico. Isto é, a liberdade mesquinha, aquele deslocado querer de ir e vir, pouco interessa a Dostoievski. Enquanto romancista o que lhe interessa é a liberdade superior, embora os homens sejam quase sempre fracos demais para servirem a liberdade, parafraseando Ivan Karamazov.
A Liberdade (que podemos então, nas intenções do romancista, grafá-la em maiúscula) pode chegar a contradizer a liberdade política do senso comum, pois não é a prisão que consiste no seu inverso, mas as tempestades interiores, mas a consciência, mas a moral.
A vida do homem dostoievskiano, uma vida sem paisagem, uma vida voltada ao interior, faz pressupor que a lei dos homens lhe é insuficiente. Para ele, uma escolha que esteja de acordo com a maioria, mas de encontro com sua visão de mundo, provocar-lhe-á, certamente, momentos de remorso e culpa. A Liberdade, então, tem como único caminho o sofrimento e o flagelo interior. Um cumprimento de pena nada mudaria um homem que julgou-se culpado. Não trata-se da condição do ser que não vive em cativeiro, mas da condição do ser que está de acordo com seu juízo moral ferrenho.
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Nesse jogo de recompensações morais o suicídio, como faz Smerdiakov, é um aliado, porque há um tribunal inferior que o impõe. E a condenação constitui para esse tipo de culpado uma oportunidade de libertação. É a profundidade trágica do ser, que é explorada em sua obra, que guia o mundo aos olhos do romancista. Raskolnikov, indo para a Sibéria, não soltando o volume da bíblia, já se sentia reconciliado consigo e com Deus.
O bem e o mal são ambos filhos da liberdade. Os problemas humanos em Dostoievski são problemas metafísicos, e uma metafísica transcendente. Sendo assim o escritor russo, resolvendo todos os problemas humanos e super-humanos, constrói uma obra que desenvolve-se sob o signo da tragédia. Quase não vê-se em sua obra espaço para sentimentos mais comuns e aparentemente menos profundos aos seus olhos, como por exemplo o amor. Aliás, sentimento este que passa-se apenas como um momento da vida do homem. E uso o termo homem não como “ser humano em geral”, pois a alma humana tratada por Dostoievski é antes de qualquer coisa um principio masculino, completamente preso à unidade e à interiorização do ser. E o amor, sendo uma arbitrariedade, violentaria essa interiorização. Não que não haja espaço para altíssimas temperaturas e sensualidade. Todavia, parece que a realização plena do amor desvirtua o ser da preocupação dos eternos problemas e mais profundos questionamentos que o atordoam.
Esse facto de que Dostoievski entende a alma humana como algo essencialmente masculino muito importa para a sua noção de Liberdade. Isto porque o ser essencialmente masculino é tendencioso a introverter-se. E o ser introvertido tem enorme tendência de forçar os outros a sua imagem, ou negá-los para não destruir a sua ideia de como deve ser alguém.
Poder-se-ia dizer então que a introspecção é motivo para a existência dessa Liberdade em Dostoievski, porque deixa claro que esse ser julgará obstinadamente o objeto sujeito a sua projeção, e sendo esse objeto a própria pessoa, esse precisará passar pelo juiz mais tirano que poderia haver: ele próprio. Berdiaev afirmou que Dostoiévski "descobriu uma cratera vulcânica em cada ser." E esses vulcões são sempre retumbantes. (apud James Townsend)
Os filósofos mais intensos, os guerreiros mais honrados e os homens que se remetem ao âmago do agir, dos costumes e das leis que impõem a si mesmo certamente poderiam ser personagens dostoievskianos. Mas certamente isso se trata de uma minoria, porque de nada importa a Dostoievski os seres que se distanciam s



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