Juan Carlos Onetti
Três poemas
Tradução de Nina Rizzi
E o pão nosso
Só conheço de ti
o sorriso monalisa
com lábios separados
o mistério
minha teimosa obsessão
por desvendá-lo
e avançar obstinado
e surpreendido
tateando seu passado
Só conheço
o doce leite de seus dentes
o leite brando e zombeteiro
que me separa
e para sempre
do paraíso imaginado
da impossível manhã
de paz e da felicidade silenciosa
de abrigo e pão compartilhado
de algum objeto cotidiano
que eu pudesse chamar
nosso
o sorriso monalisa
com lábios separados
o mistério
minha teimosa obsessão
por desvendá-lo
e avançar obstinado
e surpreendido
tateando seu passado
Só conheço
o doce leite de seus dentes
o leite brando e zombeteiro
que me separa
e para sempre
do paraíso imaginado
da impossível manhã
de paz e da felicidade silenciosa
de abrigo e pão compartilhado
de algum objeto cotidiano
que eu pudesse chamar
nosso
Querida Litty
Há meses
com inusitada frequência
não me deixa o carteiro cartas tuas.
Será amnésia de homem
ou talvez as empilhe
em um canto limpo
de seu quarto de solteiro
solteirão
e em algum dia me traga
numa fita rosa
todas juntas
como um banquete
para o esquecido faminto
que se pode imaginar
desde agora
uma clara catarata
de ternuras e recordações.
com inusitada frequência
não me deixa o carteiro cartas tuas.
Será amnésia de homem
ou talvez as empilhe
em um canto limpo
de seu quarto de solteiro
solteirão
e em algum dia me traga
numa fita rosa
todas juntas
como um banquete
para o esquecido faminto
que se pode imaginar
desde agora
uma clara catarata
de ternuras e recordações.
Balada do ausente
Então não me dê um motivo, por favor,
Não dê consciência à nostalgia,
Ao desespero e ao jogo.
Pensar-te e não ver-te
Sofrer em ti e não alçar meu grito
Ruminar sozinho, graças a ti, por minha culpa,
No único que pode ser
Inteiramente pensado
Chamar sem voz porque Deus quis
Que se Ele tem compromissos
Se Deus mesmo te impede contestar
Com dois dedos a saudação
Cotidiano, noturno, inevitável
É necessário aceitar a solidão,
Confortar-se irmandado
Com o cheiro de cachorro, nesses dias úmidos de sul
Em qualquer regresso
Em qualquer hora mutável do crepúsculo
Teu silêncio
E o passo indiferente de Deus que não vê nem saúda
Que não responde ao chapéu de luto
Golpeando os joelhos
Que teme a Deus e se preocupa
Pelo que opina, condena, resmunga, impõe
Não me dê consciência, grito, necessidade, nem ordem.
Estou nu e longe, o que me deixaram
Girou para o mundo e seu segredo de musgo,
Até a claridade dolorosa do mundo,
Nu, sozinho, desarmado, rolou meu corpo magro
Tropeço e avanço
Aproximo-me talvez de uma fronteira
A um ódio inútil, à sua crescente miséria
E tampouco é consolo
Essa doce ilusão de paz e de combate
Porque a distância
Não é já, se dissolve na espera
Graciosa, incompreensível, de ajudar-me
A viver e esperar.
Nenhum outro país é para sempre
Meu pé esquerdo na barra de bronze
Fundido com ela.
O moço que compreende, ajuda a esperar, acredita que pode ignorar.
Aceitam-se todas as apostas:
Eternidade, inferno, aventura, estupidez
Mas sou maior
Já nem sequer creio
Em romper espelhos
Na noite
E lamber o sangue dos dedos
Como se tivesse traído desde lá
Como se a salobra mentira se engrossasse
Como se o sangue, pequena dor afiada,
Aproximasse-me ao que resta vivo, brando e ágil.
Morto pela distância e o tempo
E eu a perco, dou minha vida,
Mudo de velhices e ambições alheias
Cada dia mais antigas, vilmente desejosas e estranhas.
Voltei e não voltarei, não posso cair.
Apoiarei o sapato na viga de bronze
E espero sem pressa sua velhice, sua singularidade, seu minúsculo não ser.
A paz e depois, afortunadamente, em seguida, nada.
Lá estarei. O tempo não tocará meu pelo, não inventará rugas, não me inchará as bochechas
Aí estarei esperando uma nomeação, um encontro
Que não se cumprirá.
Não dê consciência à nostalgia,
Ao desespero e ao jogo.
Pensar-te e não ver-te
Sofrer em ti e não alçar meu grito
Ruminar sozinho, graças a ti, por minha culpa,
No único que pode ser
Inteiramente pensado
Chamar sem voz porque Deus quis
Que se Ele tem compromissos
Se Deus mesmo te impede contestar
Com dois dedos a saudação
Cotidiano, noturno, inevitável
É necessário aceitar a solidão,
Confortar-se irmandado
Com o cheiro de cachorro, nesses dias úmidos de sul
Em qualquer regresso
Em qualquer hora mutável do crepúsculo
Teu silêncio
E o passo indiferente de Deus que não vê nem saúda
Que não responde ao chapéu de luto
Golpeando os joelhos
Que teme a Deus e se preocupa
Pelo que opina, condena, resmunga, impõe
Não me dê consciência, grito, necessidade, nem ordem.
Estou nu e longe, o que me deixaram
Girou para o mundo e seu segredo de musgo,
Até a claridade dolorosa do mundo,
Nu, sozinho, desarmado, rolou meu corpo magro
Tropeço e avanço
Aproximo-me talvez de uma fronteira
A um ódio inútil, à sua crescente miséria
E tampouco é consolo
Essa doce ilusão de paz e de combate
Porque a distância
Não é já, se dissolve na espera
Graciosa, incompreensível, de ajudar-me
A viver e esperar.
Nenhum outro país é para sempre
Meu pé esquerdo na barra de bronze
Fundido com ela.
O moço que compreende, ajuda a esperar, acredita que pode ignorar.
Aceitam-se todas as apostas:
Eternidade, inferno, aventura, estupidez
Mas sou maior
Já nem sequer creio
Em romper espelhos
Na noite
E lamber o sangue dos dedos
Como se tivesse traído desde lá
Como se a salobra mentira se engrossasse
Como se o sangue, pequena dor afiada,
Aproximasse-me ao que resta vivo, brando e ágil.
Morto pela distância e o tempo
E eu a perco, dou minha vida,
Mudo de velhices e ambições alheias
Cada dia mais antigas, vilmente desejosas e estranhas.
Voltei e não voltarei, não posso cair.
Apoiarei o sapato na viga de bronze
E espero sem pressa sua velhice, sua singularidade, seu minúsculo não ser.
A paz e depois, afortunadamente, em seguida, nada.
Lá estarei. O tempo não tocará meu pelo, não inventará rugas, não me inchará as bochechas
Aí estarei esperando uma nomeação, um encontro
Que não se cumprirá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário