(DES)ACORDO ORTOGRÁFICO
Pesquisador português aponta diferenças entre vocabulários editados no Brasil e em Portugal
Por Leonardo Cazes
As dúvidas quanto ao uso dos acentos e hífens no novo Acordo Ortográfico da língua portuguesa não se resumem aos leigos. O pesquisador Rui Miguel Duarte, do Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras de Lisboa, analisou diferentes vocabulários ortográficos editados no Brasil e em Portugal e constatou diversos exemplos de divergência entre eles. Duarte identificou alguns pontos em que as obras não respeitam as próprias normas estabelecidas no texto da reforma. A maioria dos problemas está em publicações portuguesas, como o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), elaborado pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC) e apontado pelo governo de Portugal como livro de referência; e o Lince, ferramenta de consulta online desenvolvida pelo mesmo instituto. Mas também há erros no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), produzido pela Academia Brasileira de Letras (ABL).
Entre os exemplos destacados no estudo está a palavra “adoção”. De acordo com o Acordo Ortográfico, apenas essa grafia é aceita, mas tanto o Volp quanto o Lince apontam como possíveis “adoção” e “adopção”. Situação parecida é da palavra “objeção” — única ortografia correta depois da unificação, embora o Volp dê como opção também “objecção”. No caso do termo “mandachuva”, o VOP e o Lince aceitam, erroneamente, a forma com hífen, “manda-chuva“. O acordo só prevê a primeira.
Entre os exemplos destacados no estudo está a palavra “adoção”. De acordo com o Acordo Ortográfico, apenas essa grafia é aceita, mas tanto o Volp quanto o Lince apontam como possíveis “adoção” e “adopção”. Situação parecida é da palavra “objeção” — única ortografia correta depois da unificação, embora o Volp dê como opção também “objecção”. No caso do termo “mandachuva”, o VOP e o Lince aceitam, erroneamente, a forma com hífen, “manda-chuva“. O acordo só prevê a primeira.
Resistência em Portugal
O resultado do levantamento foi entregue por Rui Miguel Duarte ao ministro da Educação e Ciência português, Nuno Crato, no dia 6 de janeiro, junto com uma carta pedindo a revogação da adesão de Portugal à reforma ortográfica. Na mesma semana, o parlamento do país aprovou a criação de um grupo de trabalho, proposto pelo Partido Comunista Português, para o acompanhamento da implantação da reforma. Segundo Duarte, o movimento luso ganhou força após a decisão do governo brasileiro de prorrogar o prazo de adequação à nova ortografia — que se encerraria em dezembro do ano passado — até o fim de 2015.
Os críticos em Portugal centram fogo em uma possível descaracterização da língua falada no país. Um trecho da carta diz que “a suposta unificação da língua é impossível, porquanto persistem diferenças inconciliáveis”. Para o pesquisador, as discrepâncias entre os vocabulários que deveriam servir como obras de referência são a prova mais bem acabada da afirmação.
— Antes do acordo, nós sabíamos quais eram as diferenças entre o português falado no Brasil e em Portugal e tínhamos muito mais segurança. Com o novo acordo, as facultatividades são mais numerosas, o que vai contra a proposta de unificação e harmonização. Para dar abrigo ao princípio da fonética, foram promovidas várias grafias distintas para as mesmas palavras — critica o pesquisador, em entrevista ao GLOBO por telefone. — Eu assumi esse risco de organizar a tabela comparativa. Não é um estudo exaustivo porque não abarca todas diferenças, mas muitas palavras que ali estão dão origem a muitas outras derivadas.
Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Ana Teresa Peixinho vê diferentes motivações para a resistência à adoção do Acordo Ortográfico em Portugal: há quem creia que a unificação representaria uma submissão ao Brasil, pois a reforma teria contemplado mais as formas brasileiras do que as portuguesas. Outra razão é uma suposta perda de identidade linguística nacional, pois foram abandonadas as origens etimológicas latinas das palavras, além de incongruências na reforma. Segundo ela, existem ainda os críticos que veem mais motivos econômicos e políticos do que linguísticos e educacionais para a unificação. A professora, porém, discorda.
— Alguns dos argumentos apresentados podem ter bom fundamento, mas sempre encarei este acordo de outro modo. Nenhum preconceito me move relativamente ao Brasil, pois entendo que a língua portuguesa é um tesouro comum aos dois países, além dos países africanos lusófonos e, embora residualmente, a Macau e Timor. Direi mais: entendo que uma política de internacionalização da língua, como língua de cultura, de ciência, de negócios, não pode ficar enconchada no retângulo português e deve ter como parceiros os outros Estados da lusofonia. Considero ainda que se deu demasiada importância a esta questão. Aquilo que muda não é a unidade da língua, nem tampouco a sua diversidade — diz a professora.
Os críticos daqui e de além-mar divergem, entretanto, sobre as melhores alternativas para o futuro do Acordo Ortográfico. O professor Ernani Pimentel, criador do movimento Acordar Melhor, defende que a atual unificação precisa ser revista, porque foi definida há mais de 20 anos e estaria envelhecida. Para o professor, as regras são muito confusas, difíceis de serem aprendidas e “é impossível alguém escrever corretamente”.
— Este Acordo foi pensado em 1975 e só assinado em 1990. Foi pensado dentro de uma didática que não existe mais, a didática da memorização, a vulgar decoreba. A educação moderna fez com que o foco saísse da memorização para o entendimento. Como você vai explicar para o aluno que “cor de capim” e “cor de jabuticaba” não têm hífen e “cor-de-rosa” tem? — argumenta Pimentel. — A primeira parte da batalha foi ganha, que era conseguir um adiamento. A segunda parte começa agora. Temos que conseguir a simplificação.
Já Rui Miguel Duarte se coloca frontalmente contrário a qualquer mudança nas regras para simplificar a língua portuguesa.
— Eu pergunto como alguém que foi educado tendo como língua materna o inglês ou francês, onde o afastamento entre a língua falada e a escrita é muito maior do que no português, se habitua a essa grafia? Os próprios franceses cometem erros por conta dessas dificuldades, mas nunca passou pela cabeça de ninguém simplificar a língua — questiona.
O adiamento do início da vigência em definitivo da reforma no Brasil, de 2013 para 2016, foi repudiado pela ABL, responsável pela implantação das mudanças. Por meio de nota oficial, a Academia disse que, este ano, “pretendia iniciar um amplo movimento para que o idioma fosse adotado como língua de trabalho oficial na ONU (Organização das Nações Unidas) e outros organismos internacionais. Não haveria mais desculpas para que os fóruns oficiais de política exterior continuassem a passar ao largo de um idioma de mais de 260 milhões de falantes, a pretexto das discrepâncias de grafia entre os países que compõem seu universo”. Contudo, a empreitada ficou inviabilizada.
ABL admite problemas no Volp
Sobre as incongruências entre o Volp e o Acordo Ortográfico, o acadêmico e gramático Evanildo Bechara, que coordenou a quinta edição do vocabulário ortográfico, reconheceu os problemas e prometeu corrigi-los na sexta edição.
— O problema central é que o Volp que implementou o novo Acordo Ortográfico teve como base o vocabulário ortográfico editado a partir de 1981, pela Bloch, que era orientado pelo Acordo de 1943. Na época, eram aceitas as formas brasileiras (“adoção” e “objeção”) e portuguesas (“adopção” e “objecção”). Quando foi feita a quinta edição, o trabalho se concentrou nas palavras que sofreriam alterações, e as formas duplas, não mais aceitas pelo acordo de 1990, permaneceram. Isso será corrigido na sexta edição. Mas num universo de cerca de 360 mil palavras, três, quatro ou cinco casos como esse são perfeitamente desculpáveis — diz Bechara, que é contra mudanças imediatas. — Se formos resolver os problemas unilateralmente, corremos o risco de incorrer em soluções piores do que outras propostas pelos países lusófonos. Não é possível resolver problemas antes de implementar o acordo. A prudência manda, e as experiências anteriores indicam que não se deve ter pressa.
O resultado do levantamento foi entregue por Rui Miguel Duarte ao ministro da Educação e Ciência português, Nuno Crato, no dia 6 de janeiro, junto com uma carta pedindo a revogação da adesão de Portugal à reforma ortográfica. Na mesma semana, o parlamento do país aprovou a criação de um grupo de trabalho, proposto pelo Partido Comunista Português, para o acompanhamento da implantação da reforma. Segundo Duarte, o movimento luso ganhou força após a decisão do governo brasileiro de prorrogar o prazo de adequação à nova ortografia — que se encerraria em dezembro do ano passado — até o fim de 2015.
Os críticos em Portugal centram fogo em uma possível descaracterização da língua falada no país. Um trecho da carta diz que “a suposta unificação da língua é impossível, porquanto persistem diferenças inconciliáveis”. Para o pesquisador, as discrepâncias entre os vocabulários que deveriam servir como obras de referência são a prova mais bem acabada da afirmação.
— Antes do acordo, nós sabíamos quais eram as diferenças entre o português falado no Brasil e em Portugal e tínhamos muito mais segurança. Com o novo acordo, as facultatividades são mais numerosas, o que vai contra a proposta de unificação e harmonização. Para dar abrigo ao princípio da fonética, foram promovidas várias grafias distintas para as mesmas palavras — critica o pesquisador, em entrevista ao GLOBO por telefone. — Eu assumi esse risco de organizar a tabela comparativa. Não é um estudo exaustivo porque não abarca todas diferenças, mas muitas palavras que ali estão dão origem a muitas outras derivadas.
Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Ana Teresa Peixinho vê diferentes motivações para a resistência à adoção do Acordo Ortográfico em Portugal: há quem creia que a unificação representaria uma submissão ao Brasil, pois a reforma teria contemplado mais as formas brasileiras do que as portuguesas. Outra razão é uma suposta perda de identidade linguística nacional, pois foram abandonadas as origens etimológicas latinas das palavras, além de incongruências na reforma. Segundo ela, existem ainda os críticos que veem mais motivos econômicos e políticos do que linguísticos e educacionais para a unificação. A professora, porém, discorda.
— Alguns dos argumentos apresentados podem ter bom fundamento, mas sempre encarei este acordo de outro modo. Nenhum preconceito me move relativamente ao Brasil, pois entendo que a língua portuguesa é um tesouro comum aos dois países, além dos países africanos lusófonos e, embora residualmente, a Macau e Timor. Direi mais: entendo que uma política de internacionalização da língua, como língua de cultura, de ciência, de negócios, não pode ficar enconchada no retângulo português e deve ter como parceiros os outros Estados da lusofonia. Considero ainda que se deu demasiada importância a esta questão. Aquilo que muda não é a unidade da língua, nem tampouco a sua diversidade — diz a professora.
Os críticos daqui e de além-mar divergem, entretanto, sobre as melhores alternativas para o futuro do Acordo Ortográfico. O professor Ernani Pimentel, criador do movimento Acordar Melhor, defende que a atual unificação precisa ser revista, porque foi definida há mais de 20 anos e estaria envelhecida. Para o professor, as regras são muito confusas, difíceis de serem aprendidas e “é impossível alguém escrever corretamente”.
— Este Acordo foi pensado em 1975 e só assinado em 1990. Foi pensado dentro de uma didática que não existe mais, a didática da memorização, a vulgar decoreba. A educação moderna fez com que o foco saísse da memorização para o entendimento. Como você vai explicar para o aluno que “cor de capim” e “cor de jabuticaba” não têm hífen e “cor-de-rosa” tem? — argumenta Pimentel. — A primeira parte da batalha foi ganha, que era conseguir um adiamento. A segunda parte começa agora. Temos que conseguir a simplificação.
Já Rui Miguel Duarte se coloca frontalmente contrário a qualquer mudança nas regras para simplificar a língua portuguesa.
— Eu pergunto como alguém que foi educado tendo como língua materna o inglês ou francês, onde o afastamento entre a língua falada e a escrita é muito maior do que no português, se habitua a essa grafia? Os próprios franceses cometem erros por conta dessas dificuldades, mas nunca passou pela cabeça de ninguém simplificar a língua — questiona.
O adiamento do início da vigência em definitivo da reforma no Brasil, de 2013 para 2016, foi repudiado pela ABL, responsável pela implantação das mudanças. Por meio de nota oficial, a Academia disse que, este ano, “pretendia iniciar um amplo movimento para que o idioma fosse adotado como língua de trabalho oficial na ONU (Organização das Nações Unidas) e outros organismos internacionais. Não haveria mais desculpas para que os fóruns oficiais de política exterior continuassem a passar ao largo de um idioma de mais de 260 milhões de falantes, a pretexto das discrepâncias de grafia entre os países que compõem seu universo”. Contudo, a empreitada ficou inviabilizada.
ABL admite problemas no Volp
Sobre as incongruências entre o Volp e o Acordo Ortográfico, o acadêmico e gramático Evanildo Bechara, que coordenou a quinta edição do vocabulário ortográfico, reconheceu os problemas e prometeu corrigi-los na sexta edição.
— O problema central é que o Volp que implementou o novo Acordo Ortográfico teve como base o vocabulário ortográfico editado a partir de 1981, pela Bloch, que era orientado pelo Acordo de 1943. Na época, eram aceitas as formas brasileiras (“adoção” e “objeção”) e portuguesas (“adopção” e “objecção”). Quando foi feita a quinta edição, o trabalho se concentrou nas palavras que sofreriam alterações, e as formas duplas, não mais aceitas pelo acordo de 1990, permaneceram. Isso será corrigido na sexta edição. Mas num universo de cerca de 360 mil palavras, três, quatro ou cinco casos como esse são perfeitamente desculpáveis — diz Bechara, que é contra mudanças imediatas. — Se formos resolver os problemas unilateralmente, corremos o risco de incorrer em soluções piores do que outras propostas pelos países lusófonos. Não é possível resolver problemas antes de implementar o acordo. A prudência manda, e as experiências anteriores indicam que não se deve ter pressa.
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