Em ‘À procura do amor’, Julia Louis-Dreyfus vive altos e baixos de uma relação com James Gandolfini
- Filme teve o derradeiro papel do astro de ‘Família Soprano’
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RIO — A miúda atriz de 52 anos faz uma longa pausa antes de encontrar o tom certo da resposta. Não, ela não teve a oportunidade de dizer a James Gandolfini (1961-2013) o quanto tinha adorado sua performance após as filmagens de “À procura do amor”, a comédia romântica de Nicole Holofcener, também diretora dos quase tão delicados “Encontro de irmãs” (2001), “Amigos com dinheiro” (2006) e “Sentimento de culpa” (2010). Os protagonistas do filme, que se notabilizaram em séries de TV — Gandolfini recebeu um Globo de Ouro por “Família Soprano”, em 2000, e Julia Louis-Dreyfus abocanhou o seu pela inesquecível Elaine de “Seinfeld”, que também lhe rendeu um Emmy em 1996, conquista bisada em 2006 (“As novas aventuras de Christine”) e no ano passado (“Veep”, em cartaz na HBO) — se enamoram na pele de Eva e Albert. Os dois passaram por divórcios mais ou menos amigáveis e estão às voltas com a partida das filhas para a faculdade, separação bem mais dolorosa. A preciosidade do encontro ao mesmo tempo fortuito, inesperado e deliciosamente desavergonhado de Eva e Albert — ponto de partida da narrativa classificada como “pequeno milagre” pelo crítico A.O. Scott no “New York Times” — pode ser resumida em uma frase dita por Eva ao novo namorado: “Eu me cansei de ser engraçada”. O filme estreia no Brasil no dia 6 de dezembro.
— Nós não tivemos tempo de conversar sobre nossas atuações. Ele não viu o filme, é inacreditável. E a atuação dele é fabulosa. Mas sabe de uma coisa? Pude falar o quão sensacional era o Albert que ele criou enquanto fazíamos o filme. Ele sabia que eu o adorava — diz Louis-Dreyfus.
“À procura do amor”, pontua a atriz, oferece um arremedo de consolo aos amigos mais próximos de Gandolfini, vítima de ataque cardíaco quando passava férias em Roma, em junho: o de reencontrá-lo em um personagem mais parecido com o ator de carne e osso do que o mafioso Tony Soprano:
— O Albert era bem ele. Jim era um cara doce, sempre pensando nos outros, muito compenetrado, modesto até dizer chega, questionando o tempo todo, por exemplo, o fato de ter sido escolhido para ser o galã de um filme romântico. Ele era um gigante gentil, não um Tony Soprano.
No filme, Eva e Albert se encontram em uma festa e iniciam uma corte desengonçada. Ele se revela calmo, solitário e com um enorme coração. Ela fala pelos cotovelos, é espontânea e preenche o ambiente com tiradas divertidas. Até que, por conta de seu trabalho, e depois de se encantar pelo pai amoroso e amante experiente, Eva passa a ter acesso inesperado ao passado do namorado. E decide não jogar limpo com aquele que pode ser, na ausência de termo mais exato, o homem de sua vida.
— A jornada emocional de Eva é tal que tive de fazer um enorme exercício intelectual para entendê-la. Só depois pude incorporá-la. Nunca quis tanto um papel. Fiquei intrigada em representar alguém que é, essencialmente, uma boa pessoa, mas faz algo muito ruim, por medo da solidão. Agora, me responda de bate-pronto, todos nós temos esse medo, não?
A diretora, que respondeu a essa pergunta na tela com inegável honestidade, não escolheu seus atores por acaso. Louis-Dreyfus apenas ri, enigmática, ao ouvir uma vez mais que parte do fascínio de Eva se deve ao fato de ela também ter muitas semelhanças com a comediante capaz de fazer chorar em “À procura do amor”. Em sua crítica, A.O. Scott celebra tanto o “extraordinário instrumento expressionista”, isto é, a face de Louis-Dreyfus — não por acaso citada como provável concorrente ao Oscar de melhor atriz deste ano —, quanto a capacidade de a comédia discutir o culto nosso de cada dia ao riso fácil e a qualquer custo. O jornalista aponta a coragem de diretora e seus protagonistas de enfrentar o cinismo reinante e afirmar decididamente como é “muito mais fácil ser divertido do que genuinamente bondoso”. Em uma das cenas mais incômodas, Eva decide ser o centro das atenções, mais um tique do que falha de caráter, à custa das fragilidades mais rasas de Albert. A personagem arrisca perder o amor. A piada, jamais.
— Anteontem estava zanzando pelo YouTube e acabei parando numa daquelas listas de vídeos dedicadas a “Seinfeld”. Fui sugada pelo túnel do tempo. Não conseguia parar de rir. Imediatamente mandei um e-mail para Jerry (Seinfeld), dizendo não acreditar que havia se passado tanto tempo desde a última vez em que havia nos visto na tela, nos divertindo horrores. E sabe do que senti saudade, de verdade? De nossa pequena irmandade. Eu, ele, Michael (Richards), Jason (Alexander), Larry (David). Do prazer de compreender o significado dessa palavra, meio ultrapassada, meio deixada de lado, mas que é a tradução do que somos, quando dividimos a alegria da nossa labuta: camaradas.
Nicole Holofcener também assina, como de praxe, o roteiro do filme. E os diálogos são um dos trunfos de “À procura do amor”. Notória pela agilidade com as palavras, Louis-Dreyfus teve, no entanto, liberdade para improvisar. Uma das cenas mais divertidas acontece quando Eva revela — tarde demais — ter pregado uma peça no casal de amigos vividos por Toni Collette e Bill Falcone. Outra, gerada da intimidade com Gandolfini, é a pergunta séria, na cama, em momento estratégico, a inversão do óbvio: “Você jura que consegue respirar quando eu fico por cima?”.
As últimas cenas de “À procura do amor” são difíceis de atravessar. Louis-Dreyfus conta que houve um pequeno debate entre protagonistas e diretora sobre como terminar a história de Eva e Albert. Depois de um desencontro digno de tramas de Woody Allen, provocado pela personagem da atriz-musa de Holofcener, Catherine Keener, é impossível não mesclar ficção e realidade e arriscar um exercício, no mínimo, injusto: o de se estabelecer uma comparação entre a perda de Eva e a da audiência. Lá está o Albert de Gandolfini, comendo com a boca cheia, rindo com os olhos miúdos, abrigando Eva em seus braços de urso, babando pela filha, fragilizado pela descoberta de uma traição. Quando o ator morreu, a última cena do filme já havia sido editada: a câmera estaciona em sua face e depois vai descendo, em seu próprio tempo, em busca de, vá lá, sua camarada. A atriz o encara, em uma mistura de admiração e assombramento.
— É um momento de uma enorme delicadeza, não? Foi uma escolha nossa, a partir de uma improvisação filmada. Depois da morte do Jim, vi o filme em uma sala de edição, sozinha. Só consegui assistir com o público no Festival de Cinema de Toronto. Lá, com a reação, os sons da plateia, finalmente desabei. Foi muito, muito difícil não tê-lo comigo, de novo, ao meu lado.
No mundo da ficção, cabe ao espectador decidir se Eva e Albert encontram, de fato, o que procuram. E se vivem felizes para sempre.
* Eduardo Graça viajou a convite da Fox Film
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