Gabriel García Márquez |
Gabriel García Márquez
Em Aracataca, desdém pelo filho mais ilustre
Por Cristina Tardáguila
O Globo, 7.12.2013
Cidade que inspirou a mítica Macondo ignora Gabo e, para atender a turistas, pirateia seus livros
Por Cristina Tardáguila
Em 25 de junho de 2006, os 22 mil habitantes da pequena Aracataca, cidade situada no extremo norte da Colômbia, foram convocados para participar de um referendo. A pergunta proposta ao povo pelo então prefeito, Pedro Sánchez Rueda, era simples: “A cidade deve passar a se chamar Aracataca-Macondo?”. Mas, o que tinha sido pensado para servir de homenagem ao filho mais nobre daquela localidade — o escritor e jornalista Gabriel García Márquez — acabou revelando o desdém com que a cidade o trata. Apenas 3.596 pessoas se dignaram a ir às urnas, e o plebiscito foi cancelado devido à forte abstenção.
Fundada em 1885, Aracataca vive, desde sempre, sob intenso calor. Quarenta e um graus é uma constante tão presente quanto a pobreza de seu povo. Quem circula por suas ruas vê muitas delas sem calçamento e escuta queixas aqui e ali sobre a escassez de hospitais. Em 2011, os adolescentes de Cataca (como é carinhosamente conhecida a cidade) tiveram as piores notas no exame nacional que dá acesso às universidades. Na terra do Nobel de Literatura da Colômbia, escrever corretamente em espanhol continua sendo problema crônico.
Foi naquele calor que Gabo nasceu, em 1927, e onde morou até completar oito anos. Foi lá também em que se inspirou para criar a fictícia cidade de Macondo e todos os personagens de sua obra-prima “Cem anos de solidão”. É verdade que, quando menino, ele circulava por uma Aracataca ainda pujante. Tinha uma filial da multinacional americana United Fruit Company (que cultivava bananas na região) e salas de cinema que ofereciam dois ou três filmes diferentes por semana.
Mas a empresa faliu na década de 1970 e deixou a cidade imersa numa profunda depressão econômica e envolta em violência. Não fosse o berço de Gabriel García Márquez, Aracataca certamente teria hoje uma posição ainda menos importante no mapa-múndi.
‘Ingrato’ e ‘mexicano’
Mas nem por isso a cidade é grata ao autor. Em rodas de jovens cataquenses, falar sobre os livros de García Márquez é algo fora de moda, apenas para velhos. Foram adolescentes, aliás, que há meses vandalizaram o mural que dá as boas-vindas à Aracataca e que mostra o rosto do escritor.
Por ali, não se lê Gabo. Nem no museu erguido em sua homenagem — reproduzindo a casa de seu avô, onde ele nasceu — há obras suas à venda. E uma reportagem recente do jornal “El país de Calí” trouxe à tona uma informação curiosa: em Aracataca, livros de Gabo são pirateados para atender aos turistas.
Para os poucos cataquenses que topam falar de Gabo, ele é hoje um “mexicano” — em referência ao fato de ter se mudado para a capital do México nos anos 1960 e de não pisar por ali desde 2007. Também há quem o classifique como “ingrato” — por supostamente não ter contribuído para o desenvolvimento da cidade ou a diminuição da pobreza de seu povo.
Porém, em sua mais forte defesa, saltam escritores e jornalistas colombianos como Alberto Salcedo Ramos:
— Algumas pessoas aqui na Colômbia tem o hábito de exigir dos famosos aquilo que deveriam exigir do Estado. García Márquez não tem porque solucionar o atraso social de Aracataca. Isso é uma tarefa para o país — pontua Salcedo Ramos, em entrevista por e-mail. — Através de seus textos, García Márquez já deu muito a seu povo. Tornou-o visível e o universalizou. Não se pode pedir mais a um escritor.
http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/
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