Gabrielle, 1895 Renoir |
Anton
Tchekhov
PAMONHA
Trad. Boris Schnaiderman
Convidei
há dias para o meu escritório a governanta de meus filhos, Iúlia Vassílievna.
Era preciso acertar as contas.
-
Sente-se, Iúlia Vassílievna! - disse - Vamos fazer as contas. Com certeza, está
precisando de dinheiro e a senhora‚ tão cerimoniosa que não pede sozinha...
Bem... ficou ajustado entre nós que seriam trinta rublos por mês...
-
Quarenta...
-
Não, Trinta... Eu tenho anotado... Sempre paguei trinta rublos às
governantas...Bem, a senhora residiu aqui durante dois meses...
-
Dois meses e cinco dias...
- Dois meses exatos... Anotei assim.
Quer
dizer que tem a receber sessenta rublos... Descontando nove domingos... a
senhora, realmente, não deu aula ao Kólia nos domingos, mas apenas passeou com
ele... E mais três feriados...
Iúlia
Vassílievna ficou vermelha e pôs-se a puxar uma franja do vestido, mas... não
disse palavra!...
-
Três feriados... quer dizer que temos a descontar doze rublos... Kólia esteve
doente quatro dias e, por isso, não estudou... A senhora, então, deu aula
apenas a Vária... Durante três dias, a senhora teve dor de dente e minha mulher
dispensou-a das aulas da tarde... Doze e sete são dezenove. Descontando...
ficam... hum... quarenta e um rublos... Certo?
O
olho esquerdo de Iúlia Vassílievna ficou congestionado e nublou-se. Começou a
tremer-lhe o queixo. Tossiu nervosa, assoou-se, mas... sem dizer palavra!
-
Na noite de Ano Bom, a senhora quebrou uma xícara de chá e um pires. São menos
dois rublos... A xícara é uma relíquia, custa mais caro, mas... vá lá, Deus que
a perdoe! Nossas coisas já se têm estragado em tantas ocasiões! Depois, devido
a uma falta de atenção por parte da senhora, Kólia trepou numa árvore e rasgou
o paletozinho... São menos dez... A arrumadeira, em consequência igualmente de
uma distração sua, roubou os sapatos de Vária. A senhora deve cuidar de tudo.
Está contratada e recebe ordenado. Quer
dizer que devemos tirar mais cinco... No dia dez de janeiro, a senhora levou
emprestados de mim dez rublos...
-
Eu não levei! - murmurou Iúlia Vassílievna.
-
Mas está anotado aqui!
-
Está bem...seja.
-
De quarenta e um, tira-se vinte e sete, sobram quatorze...
Os
olhos da governanta encheram-se de lágrimas... O suor apareceu sobre seu
narizinho comprido e gracioso. Pobre menina!
-
Eu só levei uma vez - disse ela, a voz trêmula. - Levei três rublos de sua
senhora... Não levei mais nada...
-
E agora? Imagine, eu nem anotei isso! Tirando três de quatorze, fica onze...
Aqui está o seu dinheiro, minha cara! Três... tres, três... um e um... Queira
receber!
Dei-lhe
os onze rublos... ela os tomou e enfiou-os no bolso, com dedos trêmulos.
-
Merci - murmurou.
Levantei-me
de um salto e pus-me a andar pelo quarto. O furor apossou-se de mim.
-
Mas, por que este merci? - perguntei.
-
Pelo dinheiro...
-
Mas eu a assaltei, diabos, eu lhe roubei dinheiro! Por que
merci?
-
Noutras casas, cheguei a não receber nada...
-
Não recebeu nada! Compreende-se! Eu caçoei da senhora, dei-lhe uma lição
cruel... Vou lhe pagar todos os seus oitenta rublos! Estão preparados para a
senhora, neste envelope! Mas, como é que se pode ser moleirona assim? Porque
não protesta? Por que fica quieta? Pensa que, neste mundo, pode-se não ser
audacioso? Pensa que se pode ser tão pamonha?
Ela
esboçou um sorriso azedo e eu li em seu rosto: "Pode-se sim!".
Pedi-lhe
perdão por aquela lição cruel e dei-lhe, para seu grande espanto, os oitenta
rublos. Pôs-se a balbuciar merci com timidez e saiu do escritório. Acompanhei-a
com o olhar e pensei:
-
É fácil ser forte neste mundo!
1883.
Anton Tchekhov
A Dama do
Cachorrinho e outros contos
Trad. Boris Schnaiderman
ED. Max Limonad, 1986.
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