John Cazale |
John Cazale
A triste história do ator secundário mais carismático de Hollywood
Foi o feio charmoso do cinema. Namorado de Meryl Streep, íntimo de Al Pacino e De Niro.
10 FEV 2018 - 16:26 COT
Rodou apenas cinco filmes que acumulam 40 indicações. John Cazale morreu aos 42 anos.
Steve Cazale recebeu uma ligação. Do outro lado, uma mulher de voz trêmula lhe comunicava que seu irmão, o ator John Cazale, acabava de morrer. Tinha apenas 42 anos. A voz era simplesmente de Meryl Streep, a grande dama do cinema e namorada de John Cazale, um ator único, um anti-James Dean que, como ele, mal apareceu em um punhado de filmes e ainda assim mudou a história da interpretação. Rodou apenas cinco filmes, mas todos juntos obtiveram 40 indicações (entre Oscar, Globo de Ouro etc.) e estão entre o que há de melhor na história do cinema norte-americano. Em março serão 40 anos de seu falecimento.
Em seus anos de glória (os anos setenta), Cazale foi o protótipo do “feio charmoso” que fascinava a Nova Hollywood. Era um bon vivant nato, que gostava de bebida, cigarro (em quantidades industriais) e mulheres. O poder do cinema, no entanto, não o fazia esquecer que o teatro era seu grande amor.
John Cazale e Meryl Streep |
Ele tinha 42 anos; Meryl Streep, 27. A vida, o trabalho, o amor lhe sorriam: juntos iam rodar outro grande filme, ‘O Franco Atirador’, mas... nos dias prévios Cazale começou a cuspir sangue
Nada pressagiava, na biografia de Cazale, nascido em Revere, Massachusetts em 1935, tão distante de Nova York e Los Angeles, que ele se tornaria ator. Era um tipo meio feioso, de olhos saltados, que logo demonstrou sintomas claros de alopecia e que, no entanto como acontece com todos os secundários míticos, tinha algo poderosamente magnético que impedia que os espectadores se esquecessem dele. Aconteceu no teatro do interior, por onde Cazale passou antes de dar o salto à Big Apple, onde havia muitas outras larvas parecidas.
A clássica história do começo difícil no mundo da interpretação: sem um dólar no bolso, Cazale não teve outra saída além de aceitar todos os trabalhos que lhe ofereceram: fotografo de museu, taxista... E mensageiro de uma empresa de postos de gasolina. Este último seria uma bênção: ali conheceria outro jovem talentoso, um tal de Al Pacino.
John Cazale e Al Pacino |
O que as mensagens tinham unido, o cinema não separaria: em 1972, depois de ver Cazale junto com Richard Dreyfuss na peça de teatro Line, Francis Ford Coppola decidiu que ele deveria ser o irmão de Pacino em O Poderoso Chefão. Fredo, o fracote em meio a uma manada de machos alfa da sanguinária máfia; Fredo, o desprezado pela família Corleone; Fredo, definitivamente, o traidor.
Como todos os que cruzavam seu caminho, Coppola também se apaixonou por ele. “Em uma família italiana, sempre há algum irmão que é alvo de gozação... Talvez eu tenha sido esse irmão e por isso sentia tanta empatia por Fredo”, disse Coppola.
Cazale sabia muito de famílias italianas: tirando os detalhezinhos mafiosos de Don Vito, sua vida se parecia muito com a de seu avô, Giovanni Casale, um adolescente analfabeto que fugiu para Nova York saindo do México e que, quando teve de escrever seu nome, rabiscou “Cazale”, com zê. Normal que Coppola sentisse paixão por Fredo e pelo ator. Tanto é que escreveu um personagem à sua medida para seu ambicioso filme A conversação (1974), um estudo sobre a mentira que o olhar inquietante de Cazale conseguia abranger de forma avassaladora.
Fredo voltou em O Poderoso Chefão II (1974), terceira colaboração com Coppola que seria o fim (ou era o que acreditávamos) de seu personagem. Em uma homenagem final, Coppola voltou a incluir imagens de arquivo de seu personagem em O Poderoso Chefão III (1990). Mais uma vez encarnou um ser humano arrasado pelas circunstâncias, dubitativo, com problemas para se relacionar com as pessoas que não fossem puras de coração como uma criança.
Com uma fé inabalável (como boa parte da profissão durante os anos 70) no poder da improvisação, com ele na tela nunca se sabia o que poderia acontecer. Essa fragilidade nervosa e a improbabilidade de sua reação o acompanhariam, mais uma vez (e de novo com Pacino) em Um dia de cão (Sidney Lumet, 1976). Interpretou um inesquecível Sal, assaltante de testa larga e gatilho fácil, sonhador de paraísos, que o confirmava como um legítimo rouba-cenas.
De novo, foi Pacino quem conseguiu o teste. Entre os dois atores havia algo mais do que química: havia fraternidade. O próprio Pacino lembrou isso para a revista Entertainment Weekly em 2003: “Aprendi mais sobre interpretação com John do que com qualquer outra pessoa. Tudo que eu queria era trabalhar com John pelo resto da vida”.
Na época, Cazale já era um dos garotos mais populares de Hollywood. Encarnava, como Dustin Hoffman, o feio charmoso. E aproveitava esse magnetismo: depois de filmar saía para as festas para voltar para as filmagens sem dormir. Ninguém percebia: bordava cada uma de suas aparições.
Deixou a gandaia depois de compartilhar o palco com uma ainda pouco conhecida Meryl Streep em uma adaptação da shakespeariana Medida por medida. Ele tinha 42 anos; ela, 27. A vida, o trabalho, o amor, tudo sorria para ele: juntos iam rodar outro grande filme, O Franco Atirador (Michael Cimino, 1978), mas... nos dias prévios, Cazale começou a cuspir sangue.
O diagnóstico foi devastador: câncer nos ossos. Tanto Meryl quanto ele estavam convencidos de que superaria. Mas não os produtores do filme. Ainda hoje, as versões sobre como acabou participando do filme são confusas: Streep afirma que Robert de Niro, colega de Cazale em O Poderoso Chefão II e protagonista do filme, pagou seu cachê do próprio bolso. De Niro nega, não se sabe se por humildade ou porque foi assim mesmo, apesar de sempre ter afirmado: “Era mais grave do que pensávamos, mas eu queria que ele aparecesse no filme”.
John piorava e as contas de suas despesas medidas disparavam. Streep, que não achava muita graça no cinema e que desprezava a televisão, teve de aceitar um suculento contrato para a série Holocausto para pagar as contas médicas de seu companheiro.
Meryl Streep falou raras vezes sobre essa experiência traumática, até o documentário para a HBO Descobrindo John Cazale (Richard Shepard, 2009). “Tinha sido diagnosticado com uma doença terrível. Mas era forte, então sem dúvida tinha esperanças”, disse a atriz. Meryl tinha de filmar na Alemanha, então foi Pacino o encarregado de levá-lo às sessões de quimioterapia em sua ausência e De Niro quem se preocupou com a papelada.
Nenhum dos tratamentos, porém, adiantou. Morreu em 12 de março, antes de ver seu quinto papel no cinema (depois de O Poderoso Chefão, A conversação, O Poderoso Chefão II e Um dia de cão), o de O Franco Atirador, ser indicado a melhor filme.
Gostei da matéria. Parabéns!!!
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