Os obscuros negócios do chavismo com a China
Primo de um ex-ministro da Venezuela escondeu em Andorra 163 milhões de reais pagos por empresas asiáticas
JOAQUÍN GIL
Madrid 24 MAR 2018 - 13:14 COT
O empresário Diego Salazar teve um contato de ouro no Governo da Venezuela: seu primo Rafael Ramírez, homem forte do Governo de Hugo Chávez que comandou ao mesmo tempo os ministérios da Energia e Petróleo e a presidência da maior empresa estatal, a Petróleos de Venezuela SA (PDVSA). Salazar conseguiu contratos milionários de empresas chinesas que executaram obras públicas no país sul-americano enquanto seu parente ocupava cargos institucionais entre 2002-2014.
O empresário recebeu 49,2 milhões de dólares (163 milhões de reais) em comissões até setembro de 2010 por serviços de consultoria e intermediação para que multinacionais asiáticas captassem contratos públicos de infraestrutura do Executivo da Venezuela, de acordo com documentos aos que o EL PAÍS teve acesso.
O primo do ex-ministro Ramírez depositou seus ganhos na Banca Privada d’Andorra (BPA), onde possuía 11 contas entre 2007 e 2014, de acordo com um relatório confidencial da entidade. Andorra, de 78.000 habitantes, permaneceu blindada pelo sigilo bancário até ano passado.
As comissões de Salazar eram depositadas na BPA, 10% das obras públicas “assinadas e em fase de desenvolvimento”. E escondeu o depósito dessa porcentagem no banco andorrano por gerir uma infraestrutura no valor de 3 bilhões de dólares (10 bilhões de reais).
Entre os clientes de Salazar estava a empresa de engenharia chinesa Sinohydro Corporation Limited, um gigante com 486 projetos em 72 países. O empresário assinou um contrato para intermediar concorrências de cinco obras públicas com essa empresa.
A Sinohydro Corporation Limited participou em duas fases da usina termoelétrica La Cabrera no Estado venezuelano de Aragua. A infraestrutura, inaugurada em 2014, custou 603 milhões de dólares (2 bilhões de reais).
“O caso chinês é cem por cento Diego Salazar. Ele era um lobista dos chineses e a embaixadora da Venezuela no país asiático o ajudava”, confessa um ex-diretor de alto escalão da PDVSA.
A análise dos movimentos de uma das 11 contas de Salazar no banco andorrano confirma que o primo do ex-ministro Ramírez transferiu 7,3 milhões de dólares (24 milhões de reais) ao executivo da PDVSA Francisco Jiménez Villaroel. E que esse também possuía três contas na instituição financeira que movimentaram nove milhões de dólares (30 milhões de reais).
Salazar enviou o dinheiro a Villaroel mediante uma transferência interna, um sistema que dificulta o rastreio dos fundos.
Para justificar sua atividade e ganhos, Salazar entregou à instituição financeira de Andorra um contrato de “consultoria e intermediação” entre sua empresa panamenha Highland Assets Corporation e a empresa de engenharia Sinohydro Corporation Limited.
10% de comissão
O documento confirma que o empresário recebeu uma comissão de 10% “do valor líquido recebido na negociação direta” da infraestrutura.
A inteligência venezuelana prendeu em dezembro o primo do ex-ministro Ramírez
“Fica estipulado um preço do contrato em 1.038.710.000 dólares para uma usina termoelétrica de 772 megawatts e 315.891.109 dólares para uma nova usina (La Cabrera) de 200 megawatts”, tem em mãos a BPA em um relatório sobre o primo do ex-ministro Ramírez.
Salazar está sendo investigado em Andorra por lavagem de dinheiro. Seu processo judicial atinge também uma dezena de empresários, ex-vice-ministros da Venezuela, como Nervis Villalobos e Javier Alvarado (ambos da Energia) e testas-de-ferro de políticos do Executivo de Hugo Chávez (1999-2013).
A organização recebeu supostamente mais de 2 bilhões de euros (ou 8 bilhões de reais) de comissões ilegais em intermediações para que empresas estrangeiras obtivessem decisões legais da PDVSA, segundo revelou o EL PAÍS.
A investigação judicial associa as ações dessa rede com um acordo entre Venezuela e China a partir do qual o país sul-americano recebeu um empréstimo de 20 bilhões de dólares (cerca de 64 milhões de reais) do gigante asiático em troca de petróleo.
Em sua declaração em 2015 diante da magistrada em Andorra que instrui o caso, Salazar afirmou que o Governo da Venezuela não tinha influência nessas licitações. E acrescentou: “Nunca tive nenhuma relação comercial com Ramírez”. O empresário qualificou seu primo de “pessoa de caráter difícil”.
O Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) prendeu Salazar em dezembro passado em Caracas por seu suposto envolvimento na cobrança de comissões em troca de contratos da PDVSA. E, desde então, o empresário permanece na prisão.
Também em dezembro passado, a Promotoria da Venezuela anunciou uma investigação penal contra Ramírez, que até 2017 foi embaixador do país sul-americano na Organização das Nações Unidas (ONU). As autoridades lhe atribuem supostas irregularidades durante a presidência da petroleira estatal.
Este jornal tentou sem sucesso reunir a versão da PDVSA e da Sinohydro Corporation Limited.
Com 49 anos e “técnico em seguros” por formação, Salazar chegou a administrar mais de 70 milhões de euros (280 milhões de reais) por meio de uma rede societária em Andorra. O empresário declarou em 2011 receitas de mais de cinco milhões de dólares (16 milhões de reais), entre fundos pessoais e sua consultoria Inverdt Asesores e Negócios. E anunciou à BPA sua intenção de adquirir uma empresa de resseguros, uma bolsa de ações na Venezuela e um apartamento em Miami.
As autoridades andorrenses intervieram em março de 2015 na entidade escolhida por Salazar para depositar seus fundos, a BPA, por suposto crime de lavagem de dinheiro. Os donos do banco, que chegou a ter 9.000 clientes e um volume de negócios de 8 bilhões de euros (32 bilhões de reais), negam as acusações.
SALAZAR: “OS CHINESES TINHAM O PODER DE DECISÃO”
“Os chineses tinham o poder de decidir que empresas faziam os projetos. Este era o acordo entre os dois Estados. Era a Comissão Nacional de Obras, Desenvolvimento e Reforma da China, um Ministério, o órgão que decidia com que empresas os projetos seriam feitos.”
Diego Salazar se afastou em fevereiro de 2015 com o argumento de ter cometido crime de tráfico de influências em sua declaração perante a juíza da Andorra Canòlic Mingorance. A magistrada realiza inquérito sobre a suposta lavagem de 2 bilhões de euros em comissões ilegais da Petróleos de Venezuela SA (PDVSA) mediante uma engrenagem de evasão que inclui a Banca Privada d’Andorra (BPA).
Mingorance investiga se a suposta trama cometeu, entre 2006 e 2012, os crimes de suborno, tráfico de influências e corrupção.
Salazar reiterou à juíza que prestou os trabalhos sob sigilo. “Minha holding tinha de sair para procurar empresas, contratos de assessoria e ajuda técnica em engenharia. Os chineses procuram engenheiros para obras e oferecem parte dos trabalhadores, apesar de também haver venezuelanos. Minha empresa faz um acompanhamento da obra desde o início até sua finalização. Também tenho a possibilidade de subcontratar outras empresas devido à importância dos projetos quando não posso prestar o serviço.”
A juíza também perguntou a Salazar se pagou um suborno à Polícia da Venezuela. E lhe apresentou uma transcrição telefônica. “Alguns policiais vieram à empresa para investigar supostas movimentações de dinheiro. Estes, além disso, queriam dinheiro em troca. É uma situação comum na Venezuela. Eu não estava presente. A empresa não pagou, não faria isso nunca. Sempre fui contra dar dinheiro. Não quero que minha imagem fique exposta nesses assuntos. Tenho por norma não pagar até que se cansem.”
Na documentação que ofereceu à BPA para abrir suas contas —chegou a ter 11—, Salazar garantiu manter vínculos comerciais com as empresas China Calvic Engineering Co, China Machinery Engineering Corporation, China Camc Engineering Co e Yutong Hongkong Limited, entre outras, segundo um documento deste banco de Andorra.
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