sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Annie Ernaux e o retrato íntimo de uma mulher francesa no século XX


Annie Ernaux



Annie Ernaux e o retrato íntimo de uma mulher francesa no século XX




06 outubro 2022 - 12:22(AFP)

A escritora francesa Annie Ernaux, premiada nesta quinta-feira (6) com o Nobel da Literatura, é autora de uma obra essencialmente autobiográfica, um retrato sensível da intimidade de uma mulher ao longo das mudanças atravessadas por seu país no século XX.

Ganhar o Nobel "é receber a responsabilidade de testemunhar (...) uma forma de justiça em relação ao mundo", afirmou a autora.

Professora de Literatura da Universidade de Cergy-Pontoise (subúrbio de Paris), Ernaux escreveu quase 20 obras, nas quais analisa a luta de classes e a paixão amorosa, dois temas que marcaram sua vida, de origem humilde.

Escritora que se diz de esquerda, Ernaux nasceu em 1940. Até os 10 anos morou no café e mercearia administrado por seus pais, um lugar "sujo, feio" em uma pequena cidade sem história na Normandia, Yvetot.

Ernaux deixou esse ambiente humilde e popular graças aos estudos e a um diploma em Letras Modernas.

Essa mulher alta e loira começou na literatura com "Os armários vazios" (1974), um romance de tom áspero e violento.

Ela é a primeira mulher francesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura e se junta a outros 15 compatriotas que já o ganharam, incluindo Albert Camus e Jean-Paul Sartre (que o rejeitou).

- Estilo direto -

Nele, a protagonista descreve os dois mundos incompatíveis em que vive na adolescência: por um lado, o da ignorância, grosseria dos clientes bêbados do café, da estreiteza de seus pais e, por outro, o "da facilidade, da leveza das meninas" das classes mais abastadas com quem convive na escola.

Suas obras vão girar em torno desse passado familiar. Ernaux repara o que considera uma traição aos pais com "O lugar" e "Uma mulher" (1988).

Destaca-se também "O Acontecimento" (2000), sobre o drama de um aborto clandestino que ela sofreu em 1963, e que foi transformado em filme no ano passado.

Seu estilo seco e sem lirismo tem sido objeto de estudo, e chamado de "autobiografia impessoal".

É com "Os anos" (2008) que consegue evocar o destino de toda a sua geração, a dos filhos da guerra marcados pelo existencialismo do pós-guerra e depois, nos anos 1960, pela libertação sexual.

Através da evocação de objetos, palavras, canções, até transmissões de televisão, consegue reencarnar esses anos agitados.

- "Soma de experiências" -

No último Festival de Cannes, em maio, Ernaux voltou ao mesmo roteiro mas em formato audiovisual, com dezenas de pequenas gravações familiares em super 8, filmadas por seu ex-marido entre 1972 e 1981. O resultado foi "Les années super 8", apresentado durante a Quinzena dos Realizadores.

Annie Ernaux é "uma mulher que escreve, isso é tudo", declarou à AFP durante o festival.

"Não me considero um ser singular, mas como uma soma de experiências, também de determinações, sociais, históricas, sexuais, de linguagens, continuamente em diálogo com o mundo (passado e presente)", explica em "L'écriture comme un couteau" ("A escrita como uma faca", em tradução livre).

Uma de suas referências é a feminista Simone de Beauvoir, de quem ela segue a atenção cuidadosa aos detalhes que marcam sua vida: "A vergonha" (1997), sobre a perda da virgindade, o aborto clandestino em "O acontecimento", o fracasso de seu casamento em "Uma mulher congelada" (1981) ou a experiência do câncer de mama em "L'usage de la photo" (2005).

Com "Uma paixão simples" (1992) descreve de maneira crua a alienação do amor.

Desde 1977, vive em Cergy-Pontoise, cidade do subúrbio parisiense.

Ernaux ganhou, entre outros, o Prêmio Renaudot em 1984 e foi finalista do Booker International em 2019.

O presidente francês Emmanuel Macron saudou a entrega do Prêmio Nobel a Annie Ernaux, segundo ele "a voz da liberdade das mulheres e dos esquecidos do século". Ela "escreve, há 50 anos, o romance da memória coletiva e íntima do nosso país", acrescenta.


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