Coimbra, o fado e os estudantes

Tradição e canções: a Universidade fora dos edifícios

8 AGOSTO 2024, 


Coimbra dos encantos, mais ainda na hora da despedida, como cantam os estudantes. A cidade é palco de encontros e intercâmbio cultural digno da riqueza que Portugal tanto almejou.

Desde 2013 a Universidade de Coimbra (a Alta e Sofia) é Patrimônio Mundial da Humanidade. Recebe alunos do mundo todo, a deixar saudade nos que partem e a colecionar saudade nos que ficam.

Em maio acontece a Queima das Fitas, evento tradicional em que os estudantes da UC comemoram os objetivos alcançados nos estudos com alegria. Para cada curso uma cor, para cada ano de curso, um festejo. 

O evento tem origem nas comemorações do Centenário da Sebenta (1899) e no Enterro do Grau (1905), onde eram queimadas as fitas que prendiam as pastas das sebentas, daí o nome da festa. Em 1918, os estudantes dos quartos anos de Direito e Medicina fizeram a queima das fitas em Coimbra e em 1919, os quartanistas de todos os cursos fizeram um cortejo. Estas foram as primeiras comemorações como as que conhecemos atualmente. A serenata aparece em 1949 e integra este programa de celebrações, e a partir de então, marca o início da grandiosa festividade acadêmica.

A Serenata Monumental acontece na Sé Velha e é um espetáculo emocionante. Todos os estudantes com seus trajes acadêmicos – uma longa capa preta, camisa social, gravata, calça para os homens e saia para as mulheres ou popularmente capa e batina – ouvem em silêncio o fado de Coimbra, um fado que mistura o popular e o erudito. Um fado de serenata, de rua. A Sé Velha espelha o céu noturno na serenidade das estrelas que brilham a trinar.

Os grupos de Fado de Coimbra são compostos por guitarra portuguesa de Coimbra, viola de acompanhamento e voz. A guitarra de Coimbra é diferente da de Lisboa, ela é maior, tem uma lágrima incrustada em sua voluta e a afinação é mais grave. É uma exclusividade folclórica da cidade com raiz popular e origem erudita.

Mesmo que Universidade venha recriando tal gênero musical, que com algumas alterações tem hoje, inclusive, outra nomenclatura como Canto e Canção de Coimbra, o respeito à essência e a gênese do fado é imaculado. A canção de raiz de Coimbra (popular e acadêmica) é um canto de rua. E segundo os estudantes, sempre será.

Os temas das canções são o amor e a saudade, majoritariamente. Como nos versos:

Romagem à Lapa

Se um dia a vida voltasse
Ao tempo que havia
E se o Mondego passasse
E a todos levasse
A um velho dia 

Talvez a Lapa cantasse
E em pedra gravasse
A nossa alegria
Talvez a Lapa sorrisse
E à pedra se ouvisse
Olá, poesia. 

(Luiz Góes) 

Não olhes para os meus olhos

Não olhes para os meus olhos
Tão velhinhos nesta idade
Cautela que te não pegue
A doença da saudade 

Tenho saudades da vida
Quase desejo morrer
É só para olhar os teus olhos
Que inda desejo viver 

(Fernando Rolim) 

O Rio Mondego que atravessa a cidade de Coimbra tem o seu curso inteiramente em Portugal. Nasce na Serra da Estrela, percorre toda a região do centro do país e tem a sua foz no Atlântico, na cidade de Figueira da Foz. Ele é inspiração para escritores e poetas e também uma reverência popular:

Corre Mondego

Nasce na Estrela o Mondego
Vai passar junto à Felgueira
Atravessando Coimbra
Vai parar junto à Figueira 

Corre Mondego, devagarinho
Paz e sossego, vai de mansinho
Se ouvires dizer algum dia
Que um estudante morreu
Reza-lhe um Avé-Maria
Que este estudante sou eu 

(Popular)

Canção do Mondego

Vendo correr-te o pranto
Na hora em que parti,
- Como me amavas tanto -
Ao dar-te o "adeus", sorri. 

Ouvi, quando voltei:
"Já te não amo, não"
Era verdade , e então
- Vendo-te rir - , chorei 

(Manuel da Silva Gaio)

Este ano, com a comemoração dos 50 anos do 25 de abril teve lugar fados com letras de protesto/denúncia como a Trova do vento que passa, com letra de António Portugal e Manoel Alegre.

Pergunto aos rios que levam
Tanto sonho à flor das águas
E os rios não me sossegam
Levam sonhos deixam mágoas
Pergunto à gente que passa
Por que vai de olhos no chão
Silêncio é tudo o que tem
Quem vive na servidão 

Há quem te queira ignorada
E fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
Nos braços negros da fome 

E em toda Serenata Monumental há as canções da despedida. São as Balada da nostalgia, Balada da despedida e Balada de Coimbra. Todas versam sobre o encerramento dos tempos universitários e para muitos, implica a despedida da cidade também. Lágrimas lavam a Sé Velha numa noite emocionante ao som das guitarras portuguesas. Tamanha comoção marca o início das festividades da Queima das Fitas, e depois, o cortejo e o ritual são pura animação e euforia.

A Coimbra dos universitários, dos fados, do Mondego, da saudade continua ano após ano reforçando a tradição com seus cantos e encantos. 

No livro Coimbra em palavras (2018), Wagner Merije descreveu: repleta de “imensitudes”, Coimbra mantêm a sua magia de outrora como poucos lugares no mundo, numa sensação constante de “seja eterno enquanto dure”. Feita de passado e de presente, este lugar propaga poesia, histórias e memórias de personagens intrigantes, nobres, plebeus, de gente como a gente, serenatas, bebedeiras e amores mil.

Adriana Calcanhoto, Embaixadora da Língua Portuguesa na UC, também cantou Coimbra em Corre o Munda:

Não existe rima para ti Coimbra
Nem achei palavra para explicar-te
Não existe rima para ti Coimbra
Nem achei palavra para decifrar-te 

Não permita a Deus que eu morra sem voltar
A flanar-te sob o céu cinza
A encher-me os olhos com o rio raso que te serpenteia
Por onde vagueia tua compositora sem eira nem beira
Corre o Munda 

Coimbra exala inspiração e os poetas a cantam em seus versos, como se a cidade fosse feita de letras abraçadas a notas musicais. Sente-se Coimbra na vibração de todas as suas canções, das suas ruas que lembram as Minas Gerais e mais uma vez é aquela saudade (no caso, para mim)...

Viver Coimbra é assim, em cada canto uma canção.