quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Morre Aurora Bernárdez, viúva de Cortázar e peça-chave da sua literatura

Aurora Bernárdez e Julio Cortázar, 1956
Morre Aurora Bernárdez, 
viúva de Cortázar e peça-chave da sua literatura


Muere Aurora Bernárdez, traductora  y  viuda  de  Cortázar

Ela foi responsável por revitalizar a obra do grande autor com sua amiga Carmen Balcells



Aurora Bernárdez em uma exposição em 2005. / RICARDO GUTIERREZ
Aurora Bernárdez, viúva de Julio Cortázar, tradutora literária de Camus, Sartre, Durrell..., morreu no sábado aos 94 anos em um hospital em Paris. Tinha sofrido uma queda na sexta-feira, ao sair de uma consulta médica, como consequência de um acidente vascular cerebral. Foi casada com Cortázar desde os anos cinquenta, foi relevante na escrita de seus primeiros livros mais importantes, incluindo O Jogo da Amarelinha; aparece em outros, como companheira fiel, como uma memória inteligente e infatigável. Depois de sua separação, nos anos setenta, o escritor viveu com outras mulheres, a agente Ugné Kurvelis e a fotógrafa e escritora Carol Dunlop; depois da morte desta última, em 1983, Cortázar adoeceu gravemente. Foi Aurora Bernárdez quem cuidou dele até o final.
Depois do falecimento do autor de Todos os Fogos o Fogo, foi Bernárdez quem se encarregou de revitalizar a obra do grande cronópio, que continua sendo lido em todo o mundo de idioma castelhano como se nunca houvesse desaparecido. Esta e outras admiráveis traduções (de William Faulkner, por exemplo) são suas melhores obras, assim como sua capacidade para lembrar e para contar com todo detalhe o que viveu junto a Cortázar e outros grandes escritores do século XX.
Julio Cortázar e Aurora Bernárdez

Bernárdez foi a inteligente alegria, a força de uma memória prodigiosa; conseguiu a publicação das cartas de Cortázar, memorável esforço editorial que agora é um tesouro, sobre a vida do autor de O Jogo de Amarelinha; também foi sua mão que seguiu até o último instante a revitalização necessária da obra desse escritor relevante na vocação literária ibero-americana de nossos dias.
Tudo o que aconteceu com Julio Cortázar como autor, depois da morte triste em 1984, tem a ver com essa mulher miúda e sorridente, que deixava de sorrir quando se diziam tolices ou equívocos ao seu redor. Perseguiu com sensatez a verdade sobre Julio, contra aqueles que alimentaram, com boas intenções às vezes, falsidades que ela considerou pouco felizes. Queria que as pessoas soubessem realmente quem foi Julio, desde que o conheceu nos anos 50 do século passado até que se separaram, surpreendentemente, e até que depois, nos últimos tempos do autor de O Jogo de Amarelinha, voltou a ficar ao seu lado para cuidar dele depois de perder sua última mulher, Carol Dunlop, e de, além disso, perder a saúde.
Em todo esse trânsito não se ouviu dela nenhuma palavra mais alta sobre sua convivência com Julio, e de maneira milagrosa recordou não apenas os períodos que se manteve ao seu lado, mas que tinha viva ciência de coisas que aconteceram a Cortázar quando já não estavam juntos. Com uma constância que se deve ao amor, nunca interrompido, ela retomou (com a agente literária Carmen Balcells), nos anos 90, a presença de Cortázar nas livrarias, empreendeu reedições de livros que voltaram a ter vida e resgatou do esquecimento (por exemplo, o livro sobre Yeats) manuscritos perdidos ou edições que se tornaram impossíveis de encontrar quando na Espanha e no mundo a curta memória literária havia condenado Cortázar a ser, unicamente, o autor daquele famoso romance.
Simbolicamente, ela acompanhou muitos jovens escritores e leitores, em Madri, em torno de 1994, quando a editora Alfaguara começou a fazer essas reedições de resgate, que puseram outra vez Cortázar ao alcance de todos os gostos e de todo mundo. Nos últimos tempos, pelas mãos de Carles Álvarez e de seus amigos do Centro de Arte Moderno de Madri, essa obra passada e presente assumiu uma extraordinária atualidade; na Casa do Leitor, do Matadero Madrid, se pode ver uma exposição que expressa a vida de Cortázar como leitor, montada pelo citado centro de Arte Moderna; lá está Cortázar lendo e escrevendo, e vivendo depois de ter sido declarado, estupidamente, morto para a atualidade literária.
A pessoa que tornou possível esse resgate que dura até hoje e que perdura é Aurora Bernárdez, a inteligência alegre que contava, sem perder jamais nem um ponto e vírgula, a vida de Julio. Quando se recuperou Cortázar, depois dos anos de esquecimento após sua morte, se divulgou um slogan, Amamos tanto Julio; à frente desse pelotão numeroso e inapreensível estava Aurora Bernárdez.





Julio Cortázar / O Jôgo da Amarelinha


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