sábado, 18 de julho de 2015

Rubem Fonseca / Amor


Rubem Fonseca
BIOGRAFIA
AMOR

Nunca vejo o umbigo, a blusa deixa à mostra apenas quatro dedos de ventre e de dorso. Ela é branca, não uma alvura de lírio, há a radiância do sangue deslizando sob a pele que não sei descrever. Dá vontade de cheirar, de lamber. Às vezes a blusa que usa permite ver a fenda que separa os seios, e posso imaginar a curvatura, a sinuosidade que termina nos mamilos. Sinto mais do que desejo, sinto estupor quando imagino os seios dela. Qual a cor dos mamilos? Devem ter a mesma cor da aréola. Seus cabelos são castanho-escuros, aréolas e mamilos não devem ter um tom rosa muito forte. 


Na Bíblia está tudo dito: “És toda bela, minha amada, e não tens um só defeito! Teus seios são dois filhotes, filhos gêmeos de gazela, pastando entre açucenas…” Não posso deixar ela perceber o que sinto.

Você está bem?, ela pergunta.

Dor de cabeça, respondo. 

Você nunca melhora, vai ao médico.

Nenhum médico, ou feiticeiro, dá jeito nisso, quem me dera um médico abrir minha cabeça e arrancar ela de lá. Não estou aguentando vê-la andar perto de mim, o movimento das pernas, os quadris, o sutil movimento das nádegas.

Adeus, digo. 

Saio para a rua. Sento numa casa que vende empadas. Uma mulher, na mesa ao lado, com uma pequena colher, alimenta de papinha um bebê num carrinho. Deve ser a mãe, só mãe se entrega a um trabalho desses. É bem verdade que já dei comida na boca de um cachorro vira-lata doente que morava com mendigos na praça perto da minha casa. Em outra mesa uma mulher velha come uma empada, lenta e triste. Mora sozinha, não tem pressa em voltar para casa, ninguém a espera. 

Fico ali sentado até a dona, uma gorda, me dizer que vai fechar a loja. Também não tenho vontade de voltar para casa, ninguém me espera, digo. 

Sua cara está triste, a gorda diz, o amor não correspondido faz o rosto mais triste do mundo. Quer dormir aqui? 

Vou andando, e as lojas fecham as portas de aço, se defendendo da alma penada que passa em frente. Vitrines, atrás de grades e arames protetores, também se apagam. As ruas começam a ficar escuras.



Rubem Fonseca
Amálgama
Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2013



CUENTOS
Los prisioneros (1963)
El collar del perro (1965) 
Lucía McCartney (1967)
El cobrador (1979)
Novela negra y otras historias (1992)
Historias de amor (1997)
La cofradía de los Espadas (1998)
Secreciones, excreciones y desatinos (2001)
Pequeñas criaturas (2002)
Ella y otras mujeres (2006)
Axilas y otras historias indecorosas (2011)

Os prisioneiros (1963) 
A coleira do cão (1965) 
Romance negro e outras histórias (1992) 
O buraco na parede (1995)
Rubem Fonseca / Cidade de Deus
Cofraia dos Espadas (1998)
Rubem Fonseca / O vendedor de seguros
Secreções, excreções e desatinos (2001)
Pequenas criaturas (2002)
Diário de um Fescenino (2003)
64 Contos de Rubem Fonseca 2004)
Ela e outras mulheres (2006)
Rubem Fonseca / Teresa
Axilas y otras historias indecorosas (2011)
Rubem Fonseca / O ensina da gramática

DRAGON

DANTE

RACCONTI

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