García Márquez David Levine |
Música clássica e vallenatos embalam
o adeus de García Márquez na Colômbia
A emblemática Praça de Bolívar, no centro de Bogotá, é o palco onde os colombianos começaram os atos de despedida de seu prêmio Nobel de Literatura
Como aconteceu no México, o último adeus em Bogotá ao mais universal dos colombianos tinha de ser onde se despediram os maiores nomes deste país, na primeira catedral que foi construída na capital colombiana há já dois séculos e no epicentro dos fatos mais transcendentais para a Colômbia. Mas o protocolo foi quebrado de novo como no dia no qual Gabo recebeu o Nobel vestido com um liquiliqui (traje tradicional colombiano). A homenagem solene que Bogotá dedicou “ao mais colombiano dos colombianos”, começou em uma catedral, mas sem missa alguma, uma cerimônia laica nessa cidade que ele descreveu como “de garoas geladas onde viviam os poetas”. Depois, os atos foram trasladados à emblemática Praça de Bolívar, onde seus devotos o despediram em sua viagem para a eternidade. Os atos de homenagem foram realizados conforme os desejos também de Mercedes Barcha, a viúva de Gabo.
Talvez se García Márquez estivesse vivo, se surpreendesse com os sons dos vallenatos (gênero musical do caribe colombiano), um ritmo musical popular tocado com acordeão. Na manhã da terça-feira foram ouvidos fragmentos do vallenato em várias partes da fria capital colombiana. Fora da catedral estavam os legendários irmãos López, Navín, que foi rei do vallenato em 2002 e Pablo, quem acompanhou Gabo quando ele recebeu o Nobel de literatura em 1982, e que hoje com mais de 80 anos honra sua amizade tocando a caixa. “Quando escutava um vallenato, ele pirava”, lembra Navín que conheceu o escritor em uma feira do livro em Havana.
Bogotá mudou muito desde que Gabo viveu nela. Ele costumava percorrer a Praça de Bolívar quando apenas tinha terminado seu ensino médio. O fazia uma e outra vez enfiado em uns bondes de vidros azuis que por cinco centavos o levavam até a Avenida de Chile. Era seu modo de passar as tardes desoladas dos domingos.
Hoje, não há filas de gente, como ontem, na entrada do Palácio de Belas Artes no México, porque não há uma urna para honrar. Fabio Mosquera, um estudante de direito de Barranquilla, foi um dos primeiros a chegar vestido com uma jaqueta de pano para aguentar o frio dos morros. Tem 28 anos e esperou com paciência a hora do hastaluego (atémais). “Vale despedir o gênio de Aracataca”.
Desde ontem à noite, as flores amarelas começaram a chegar àCatedral Primada de Colômbia. Ali chegou o presidente Juan Manuel Santos ao meio-dia e com sua entrada, a Orquestra Sinfônica da Colômbia interpretou a Marcha Fúnebre de Mozart. O Arcebispo de Bogotá, monsenhor Rubén Salazar, fez um pequeno discurso; “uma cerimônia litúrgica”. Depois veio o Réquiem, também de Mozart, uma das obras mais comoventes do repertório litúrgico universal e as palavras do mandatário colombiano. “As palavras de Gabo têm estado sempre en nossas casas. Quanta gratidão, quanta admiração por ele, o maior expoente da alma colombiana”, disse Santos.
A homenagem foi fechada com música vallenata, em especial a composta pelo falecido amigo Rafael Escalona, menciondo em Cemanos de Solidão como o herdeiro dos segredos de Francisco, o homem que venceu o diabo em um duelo de acordeão. Há anos, o poeta Juan Gustavo Cobo Borda, escreveu que se pretendia fazer uma sorte de catálogo das preferências musicais do Nobel. O vallenato o encabeçaria, passaria por boleros e chegaria até Bach, as Suite para chelo só na versão de Maurice Gendron. Mas, sobretudo, pelos músicos da Sinfônica, que interpretaram aquilo que mais teve a ver com a vida de Gabo e seus livros, os cantos vallenatos da costa do Caribe da Colômbia. E o eleito é o memorável passeio La casa no ar de seu amigo Escalona.
E assim, embora Bogotá tenha amanhecido fria, estes sons são um bálsamo para a tristeza que hoje embarga a Colômbia. Os irmãos López, na rua, deram-lhe o último adeus. Seguiram então a Diosa Coronada, La Patillalera, La creciente do río Cesar y Jaime Molina. Talvez, com está música, os locais se contagiem disso que sentia Gabo quando escutava os acordes: da música de Francisco, o homem. “Não sei o que o acordeão tem de comunicativo que quando o ouvimos, nos recolhe o sentimento”.
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