Gabriel García Márquez |
No número 144 da rua Fuego,
o último suspiro de García Márquez
Condolências de políticos e intelectuais mexicanos depois de divulgada a morte do Nobel
JUAN DIEGO QUESADA / VERÓNICA CALDERÓN Cidade do México 17 ABR 2014 - 21:21BRT
No número 144 da rua Fuego, ao sul da Cidade do México, uma moça de calça jeans e moletom preto deixou às 15h30 um buquê de margaritas. Mónica Hernández lia Cem anos de solidão por ordem de uma professora com o desânimo próprio das obrigações. Anos depois caiu em suas mãos uma reedição da Real Academia da Língua Espanhola e o devorou com o fanatismo dos convertidos. Ser a primeira leitora a chegar à casa onde há pouco tempo morria o colombiano Gabriel García Márquez aos 87 anos foi uma maneira de pedir perdão por aquela afronta juvenil e de lhe render homenagem, em nome da legião de seguidores que tem o romancista por todo mundo, como um dos maiores escritores em espanhol.
Desde que há três dias viesse a público a informação de que García Márquez estava recebendo cuidados paliativos em seu lar, uma bela residência colonial com uma cerca de bougainvilles trepando pela fachada, uma dezena de jornalistas como "guardas" na calçada. De vez em quando algum leitor se aproximava perguntando pela saúde de seu ídolo e ia com gesto contrariado ao saber das más notícias. Às 14h56 (horário local) deste dia ensolarado, com a cidade meio vazia pelo feriado, apresentou-se na porta da casa a jornalista mexicana Fernanda Familiar, uma íntima amiga da família. Chegou chorando e sem mediar palavra seguiu para o interior. Foi o primeiro sinal externo de que o prêmio Nobel de Literatura tinha morrido.
Cerimônia particular
O Conselho Nacional mexicano para a Cultura e as Artes, atendendo a pedido da família de Gabriel García Márquez, informa que o corpo do escritor será cremado em uma cerimônia particular. É de conhecimento público que durante o funeral não haverá mais homenagens.
Ainda assim, comunica-se que na próxima segunda-feira (21) à tarde será realizada uma homenagem no Palácio das Belas Artes mexicano, em uma ocasião em que o público local poderá celebrar o legado do autor colombiano.
Cinco minutos depois, a bordo de um táxi chegou o escritor colombiano Guillermo Angulo, levava uma mala, uma bolsa branca e um gorro de caçador. Também entrou sem dizer nem uma palavra. O assistente pessoal de García Márquez, Genovevo Quirós saiu a dar instruções a dois policiais que começavam a resguardar a casa. Uma vizinha, María del Carmen Estrada, botava a cabeça na porta contígua à do Nobel e lembrava no dia que deu um grande abraço nela no meio da rua. “Não lia nenhum de seus livros, mas a gente gostava muito dele, e eu o recebi com muito carinho. Era um vizinho exemplar”.
Esse vizinho exemplar foi motivo de uma chuva de condolências dos mais importantes políticos e intelectuais mexicanos. O presidente Enrique Peña Nieto transmitiu através de sua conta de Twitter seu pesar pelo falecimento do que definiu como “um dos maiores escritores de nossos tempos”. Acrescentou que “com sua obra, García Márquez fez universal o realismo mágico latino-americano, marcando a cultura de nosso tempo. Nascido na Colômbia, por décadas fez do México seu lar, enriquecendo com isso nossa vida nacional. Descanse em paz”.
O escritor Enrique Krauze publicou também nessa rede social que “sua prodigiosa literatura acompanhou a minha geração e iluminou nossas vidas. Agora Gabriel García Márquez pertence à eternidade”.
E Héctor Aguilar Camín também por esse meio disse que “morreu o maior autor e o mais querido das letras espanholas. Os leitores e as musas gostavam dele da mesma maneira”.
“Algumas das grandes crônicas de García Márquez mudaram a vida de seus protagonistas. Penso em Relato de um Náufrago, por exemplo, de um homem que sofria uma tragédia terrível e pôde voltar a uma praia sem nome. Isto García Márquez o converte em um relato épico e o protagonista não se dá conta de sua epopeia até que se lê através do grande cronista”, disse por sua vez o cronista Juan Villoro a Hora 25 de Cadena Ser.
Elena Poniatowska, a ganhadora do Prêmio Cervantes 2013 era sua amiga próxima, falava com carinho dele nesta segunda-feira, quando já se temia o pior. “Ele é magia. Maravilhoso. Pôs a América Latina no mapa”.
García Márquez era, quiçá, o escritor colombiano mais mexicano. O falecido cronista Carlos Monsiváis costumava lembrar que alguma vez escutou a um apresentador lhe introduzir como “originário de Macondo, Oaxaca”, como se o povoado fictício de Cem Anos de Solidão estivesse no sudeste de México.
“Gabriel García Márquez é mexicano de caráter, pelo mesmo motivo que é colombiano e cubano e espanhol de caráter, porque, entre outras razões, nada o incomoda tanto como se ver declarado culpado de estrangeirismo literário, musical e sentimental”, escreveu Monsiváis em um perfil publicado na revista Semana.
Às 16h35 de uma nublada tarde na capital mexicana, um carro fúnebre de cor cinza chegou à casa do Nobel para transladar seu corpo à funerária García López.
Mónica Hernández, após deixar as flores no portão de madeira, perambulou um pouco confunsa entre a comunidade. Aproximou-se de outra vizinha que chorava e ambas pareciam encontrar consolo no abraço mútuo. Estavam a ponto de dar as cinco da tarde. Começava a chuviscar, a ponto de romper a chover.
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